O prisioneiro
Estudei o lugar
onde fora colocado.
O sol era minha bandeira na alta janela
e a raiva, a minha coragem.
O tempo passou e não teve jeito:
aos poucos, além do corpo,
a alma sente-se aprisionada.
E fica-se esperando não mais a oportunidade,
porém, o milagre.
O tempo corrói as verdades guardadas
e tudo parece
distante e obsoleto...
Um dia parece distante!
Dão-nos comida, água,
algum livro de versos baratos;
esqueceram de nós.
A janela, cada vez mais alta e mais estreita.
Dão-nos comida, água,
um dentifrício, e
que importa?
A bílis se apodera de todas as minhas partes.
As mãos emboloram no suór do medo.
Medo.
Medo de quê?
De não mais sair,
de não mais gritar,
de não mais se ouvir!
A voz paralisada
de um simples operário
é uma gangrena
corroendo, amortecendo a si próprio.
Quem compreenderia este ópio terrível?
A quem poderia falar
do que representa a liberdade para mim?
E o que antes me fazia caminhar
hoje lembra o meu aleijamento...
E acho que fiz um grande estrago em mim mesmo
e não atingi sequer uma janela
do castelo de monstros
contra o qual me erguera.
Meus olhos inchados de escuridão...
Minha boca quente de silêncio...
O cabelo ralo e os braços finos como lanças;
quem dera pudesse com eles
trespassar o escudo dos carrascos,
fugir para a alvorada, mesmo tiritando,
mesmo comendo das lixeiras,
aprendendo com as moscas e os ratos
no momento em que a sobrevivência
transforma o homem em qualquer coisa.
Sonho agora com uma
pequena
liberdade: a minha.
Por isso, fracasso com meus amigos,
fracasso com minha luta
mas não fracasso com a vida.
E, se ontem
sentia sede de justiça,
hoje, sem remorsos, estendo o prato
para pedir comida ao algoz
porque tenho fome.
Muita
fome.
(Marcia Pfleger - 21/09/1992)